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26 — BITUL (I)

Por que Mashiach — o Redentor — tem de ser um rei? Se bem que Mashiach possa também ser um profeta ou um sábio, enfatizamos sua condição de rei. Lógico que, durante séculos, o supremo governante entre os homens era chamado de rei. Mas por que necessitamos de um rei, mesmo para uma meta tão nobre como a Redenção? Talvez convenha examinarmos o conceito de realeza.

Como rei, Mashiach não depende de ninguém mais. Um rei faz as leis, mas não está sujeito a elas: ele não paga impostos, tem o direito de executar criminosos, etc. Num certo sentido, um rei é a lei em si mesmo, tendo de responder somente por suas próprias decisões, seu próprio sentido de justiça e de bondade.

Por certo, um rei também tem certas obrigações, tais como administrar as leis com eqüidade e isenção, proteger os cidadãos, assegurar liderança, orientação e inspiração. Um rei tem responsabilidades para com seus súditos; se é para ele ser rei de verdade, é preciso que ele aceite estas obrigações completamente e inequivocamente, que se entregue inteiramente a essas obrigações. E esses deveres fazem mais do que restringir a liberdade real, por assim dizer: eles o forçam a anular a sua individualidade, a sublimar a sua personalidade em função de suas responsabilidades. O rei não pode tirar férias; precisa estar sempre à disposição das necessidades de seu povo. Precisa por de lado seus desejos em função das necessidades de seus súditos, ignorar os seus desejos em prol do que seus súditos exigem.

Assim, por um lado, Mashiach, um rei, fica afastado da população; por outro lado, ele se empenha totalmente, de todo coração, pelas necessidades de seu povo, sem arrogância ou vaidade, literalmente, ele se entrega ao seu povo. A própria palavra “Mashiach” sugere esta natureza dual do Redentor, eis que significa — literalmente — “ungido”. Ser ungido significa ser dedicado a algo que está além da pessoa, dedicado a uma tarefa, designado para uma função — mas, seja lá como o expliquemos, a pessoa recebe uma unção. Condição especial, privilégios especiais, ambos transformam e transcendem a pessoa, permanecendo com o “ungido” somente na medida em que não lhe pertençam. Antes, é o ungido que pertence à responsabilidade.

O poder e a autoridade verdadeiros podem, então, provir somente — e paradoxalmente — da anulação do ego. Diz-nos a Torá que Moisés foi o mais humilde de todos os homens — e, mesmo assim, conversou com D’us face a face! Mas este é o ponto — visto que Moisés era o mais humilde, o homem que mais se auto-anulava, precisamente devido a esta razão ele foi digno de falar diretamente com o Todo-Poderoso. Isto, claro, se aplica à vida em geral: quanto mais nos envolvemos em algo, menos consciência temos de nosso próprio ser. Nossa capacidade de fazer, de realizar alguma coisa, parece ser diretamente oposta à nossa autoconsciência, nosso ego. Quando estamos nos esforçando, desempenhando, buscando atingir uma meta, o sentido de “Eu sou” desaparece. Em hebraico, este conceito de anulação do próprio eu é chamado de “bitul”. Quanto mais bitul, quanto mais concentrarmo-nos na tarefa, mais sucesso teremos.

Então, Mashiach exemplifica este paradoxo: de imediato, o homem mais dotado de conhecimentos, o mais poderoso dentre todos eles, ele também será o mais humilde, o que mais se doará, o que melhor compreensão terá, e o menos voltado para seu próprio eu ele será. Mashiach será o governante e o juiz ideal, exatamente porque não tem interesses disfarçados, nenhuma outra identidade a não ser aquela pela qual D’us o escolheu — trazer a Redenção.